segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Intencionalidade, Planejamento e os sistemas de avaliação

Outros dois conceitos que estão intimamente relacionados à concepção de avaliação formativa são Intencionalidade e Planejamento. Os sistemas avaliativos claramente dependem da intencionalidade do docente.

Entende-se a Intencionalidade Pedagógica como sendo toda a ação consciente, planejada e executada pelo professor/educador, acomodada dentro do cenário pedagógico (salas de aula ou qualquer outro ambiente no qual seja possível o ato de ensino e aprendizagem), determinado como espaço relacional dos que ensinam e dos que aprendem. Assim, pode-se afirmar que a Intencionalidade Pedagógica é toda a intenção direcionada que vai além da mera transmissão pura de conteúdo pelo conteúdo. Envolve, claramente, a atitude e a postura do professor/educador, além do domínio de determinadas habilidades de ensino capazes de conduzir o participante do processo a aprender. Portanto, Intencionalidade Pedagógica é toda a ação consciente do professor/educador visando uma ambientação para conduzir o aluno a aprendizagem. (Negri, 2016).

Muitos dos profissionais da área da educação passaram pelo processo de formação didático-pedagógico necessário para cumprir com seus deveres e obrigações como docentes. Espera-se que esses profissionais estejam travestidos dos principais conceitos que regem as práticas docentes para a qualidade do processo ensino-aprendizagem. Entretanto, na educação superior nem sempre esta é a realidade.

O docente da Educação Superior, na dependência do curso de graduação, nem sempre passa por formação didático-pedagógica para atuar como docente. As exigências para que o docente atue na Educação Superior são os cursos de pós-graduação Stricto sensu, que em teoria, preparam os futuros profissionais da e para a academia. Acontece que a formação esperada nem sempre se cumpri. Muitos dos docentes universitários pouco ou não conhecem os conceitos de docência e as suas implicações.

Neste sentido, reproduzo aqui as perguntas apresentadas pela professora da Unicamp, Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira (2015):

Ao exercer a atividade docente, particularmente no nível da educação superior, o professor deve responder para si algumas perguntas: Como eu quero ser professor? Que formação quero dar ao aluno? Para qual universidade, ou seja, para que tipo de instituição de educação superior? Para que tipo de sociedade? Com que ideia de conhecimento estou trabalhando?

Ao responder essas perguntas, o docente começa a pensar qual a sua intencionalidade, ou seja, quais ações ele deve conscientemente planejar e executar para a promoção de um processo ensino-aprendizagem de qualidade. Resgatando o problema de investigação, ou seja, a preocupação dos docentes em relação à postura dos alunos durante a realização de uma avaliação em busca da “resposta do gabarito”, pode-se dizer que boa parte deste comportamento apresentado pelos alunos pode estar associada à (falta de...) intencionalidade do docente. E aí, mais uma vez, apresento alguns fatores já comentados anteriormente e que possam levar a essa falta de preocupação docente com os sistemas avaliativos.

Como muitos docentes não tiveram a oportunidade de formação específica para a docência, muitos não sabem que as suas ações podem e devem ser norteadas pela intencionalidade. Alguns entendem a importância de sua atividade e, mesmo que inconscientemente, organizam-se para que cumpram os seus objetivos. Entretanto, há aqueles profissionais que entendem que foram bem formados pelo sistema tradicional de ensino e, portanto, não precisam repensar as suas ações, que são desprovidas de planejamento intencionado para a condução real do participante para o processo de aprender. Afinal, a mera intenção de intervir e interpretar um estímulo não garante a real atenção necessária para a aprendizagem.

Os processos avaliativos também devem ter intencionalidade. A intencionalidade ocorre quando o mediador, neste o caso o docente, orienta deliberadamente a interação numa direção escolhida, selecionando, moldando e interpretando o estímulo específico. É como se o mediador colocasse uma lente de aumento sobre um estímulo em particular para focá-lo melhor e distingui-lo de outros estímulos. Produzir bons e adequados instrumentos para coletar dados na avaliação da aprendizagem dos educandos, sem subterfúgios, sem enganos, sem complicações desnecessárias, sem armadilhas, significa preparar uma avaliação intencional e bem planejada. Esse processo de avaliação requer instrumentos e estratégias que i) ofereçam desafios, situações-problema a serem resolvidas; ii) sejam contextualizadas, coerentes com as expectativas de ensino e aprendizagem; iii) possibilitem a identificação de conhecimentos do aluno e as estratégias por ele empregadas; iv) possibilitem que o aluno reflita, elabore hipóteses, expresse seu pensamento; v) permitam que o aluno aprenda com o erro; vi) exponham, com clareza, o que se pretende; vii) revelem, claramente, o que e como se pretende avaliar (Paraná, 2008).  

Vejam que isso exige dedicação maior do profissional tanto de tempo quanto de planejamento, o que pode representar um desafio para muitos docentes, especialmente para aqueles que estão presos no paradigma tradicional de ensino ou acomodados com a situação. As consequências da falta de intencionalidade nos processos avaliativos recaem sobre os alunos, uma vez que as avaliações podem gerar dúvidas, insegurança, incertezas e instabilidades.

Sob os aspectos do planejamento, temos que:

Planejamento define-se como um processo de controle, já que ele dirige e determina as ações de uma pessoa, em busca de um objetivo determinado. Por essa razão, podemos concebê-lo como um processo de tomada, execução e teste de decisões, decisões essas que estão, por assim dizer, cristalizadas em im plano. O plano ou programa é, nesse sentido, o instrumento do planejamento. (Goldberg, 1973, p. 64).

Para que o sistema avaliativo seja formativo e não classificatório, o planejamento deve ser fundamentado em dois pilares: objetivos/metas e estratégias (Goldberg, 1973). Isto pode representar mais um desafio para a avaliação da aprendizagem. Como mencionei em outros trechos, muitos docentes não possuem formação didático-pedagógica. Assim, atuam preocupados com uma dimensão técnica, caracterizado por um modelo profissional docente que aplica com rigor as regras que derivam do conhecimento científico, para atingirem determinados fins pré-definidos (Lemos, 2009). Nesses casos, a prática docente consiste na re(solução) instrumental de problemas, mediante a aplicação rigorosa de um determinado conhecimento teórico e técnico previamente produzido; ensinar resume-se à mera aplicação de normas e de técnicas derivadas de um conhecimento especializado (Morgado, 2005 apud Lemos, 2009). Acredito que, para profissionais com este perfil, o planejamento das avaliações seja direcionado exclusivamente à verificação do domínio e da capacidade de aplicação do conhecimento técnico.

Outro problema que pode ocorrer nos processos avaliativos é o planejamento de objetivos e estratégias que não consideram e/ou respeitam as possíveis diferenças individuais dos alunos.

Percebemos que o indivíduo está sempre suscetível a mudanças, sejam elas em planos internos ou externos do seu organismo. Cabe ressaltar que ao entrar em sala de aula, nos deparamos com alunos que apresentam inúmeras adversidades físicas, cognitivas e afetivas que, se analisarmos criticamente, podem assim se apresentar pelo fato de terem sofrido defasagens ou ausências dos fatores internos e externos que possibilitariam o seu desenvolvimento. Portanto, devemos ter cautela no processo de avaliação, pois as instituições de ensino, pais e professores tendem a usar modelos igualitários de avaliação, apesar da diversidade de etapas evolutivas em que se encontram esses alunos. (Assis; Fernandes, 2009, p. 9)

Nesses casos, é possível que os alunos apresentem diferentes sentimentos, incluindo o de decepção, incerteza, insegurança e/ou instabilidade. 

O planejamento para avaliação formativa deve considerar alguns aspectos. Além dos objetivos relacionados às expectativas do docente, o planejamento deve respeitar o currículo e o projeto político-pedagógico do curso. Assim, a prática de planejar deve contemplar o educacional, o curricular e o ensino, ultrapassando a dimensão técnica e integrando-se à dimensão político-social. O ato de planejar, assim assumido, deixará de ser um simples estruturar de meios e recursos, para tornar-se o momento de decidir sobre a construção de um futuro (Luckesi, s.d.). A partir dos dois conceitos, é praticamente impossível desvincular a intencionalidade e o planejamento. O ato de planejar é a atividade intencional pela qual se projetam fins e se estabelecem meios para atingi-los. Por isso, não é neutro, mas ideologicamente comprometido (Luckesi, s.d., p. 4).

O ser humano age em função de construir resultados. Para tanto, pode agir aleatoriamente ou de modo planejado. Agir aleatoriamente significa "ir fazendo as coisas", sem ter clareza de onde se quer chegar; agir de modo planejado significa estabelecer fins e construí-los através de uma ação intencional. Os fins, sem a ação construtiva, adquirem a característica de fantasias inócuas; a ação aleatória, sem fins definidos, desemboca no ativismo. (Luckesi, s.d., p. 1)

Ainda em termos de avaliação formativa, o planejamento do docente deve ter critérios claros e bem-definidos, tanto para o docente quanto para os alunos, previamente estabelecidos. Geralmente, os critérios são definidos a partir da vivência com os alunos. Quando os critérios são definidos previamente a análise dos dados coletados é regular e apreciativa. Do mesmo modo, a elaboração do instrumento de avaliação deve compor o planejamento e ser pensada a partir do objetivo do conteúdo, com o perfil do aluno e/ou da turma, com os critérios. É importante permitir que o aluno se situe na questão para que ele a responda adequadamente, inclusive por meio de enunciados claros.




Outro aspecto importante no planejamento das avaliações formativas é prever os instrumentos de avaliação a serem utilizados. Para isso, deve-se considerar que os alunos aprendem de diferentes maneiras e, por este motivo, é interessante oportunizar diferentes instrumentos a fim de permitir que os alunos se expressem à sua melhor maneira. Assim, concluo que o planejamento adequado da avaliação formativa permite previsibilidade, consistência, rotina e conhecimento, sem surpresas, dúvidas, insegurança, incertezas e instabilidades para docente e alunos. A partir do planejamento bem pensado é possível reforçar a autoestima de todos os atores; determinar intervenções que permitam a superação das lacunas e dificuldades e determinar elementos não previstos que tenham contribuído de maneira positiva ou negativa para o processo ensino-aprendizagem.




Assis, R.M., Fernandes, R.G.S. A avaliação escolar: intencionalidade, formas e instrumentos. Revista eletrônica do curso de pedagogia do campus Jataí – UFG, v. 1, n. 6, p. 1-19, 2009.

Goldberg, M.A.A. Avaliação e Planejamento Educacional: problemas conceituais e metodológicos. Cadernos de Pesquisa, n. 7, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, 1973.

Lemos, J.C.G. Do encanto ao desencanto, da permanência ao abandono: o trabalho docente e a construção da identidade profissional. Tese de Doutorado. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 2009, 315 p.

Luckesi, C.C. Planejamento e Avaliação na Escola: articulação e necessária determinação ideológica, s.d., 12 p. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_15_p115-125_c.pdf.

Negri, P.S. a intencionalidade pedagógica como estratégia de ensino mediada pelo uso das tecnologias em sala de aula. 2016. Disponível em: http://www.labted.net/single-post/2016/05/30/ARTIGO-A-INTENCIONALIDADE-PEDAG%C3%93GICA-COMO-ESTRAT%C3%89GIA-DE-ENSINO-MEDIADA-PELO-USO-DAS-TECNOLOGIAS-EM-SALA-DE-AULA-1

Paraná. Secretaria do Estado de Educação. Avaliação – um processo intencional e planejado. Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/sem_pedagogica/fev_2010/um_processoIntencional.pdf


Pereira, E.M.A. Docência na universidade ultrapassa preparação para mundo do trabalho. In: Cervi, G.M., Rausch, R.B. (orgs). Docência Universitária: concepções, experiências e dinâmicas de investigação. Xanxerê, SC: Meta Editora. 2014. Disponível em: https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/docencia-na-universidade-ultrapassa-preparacao-para-mundo-do-trabalho.

Um comentário:

  1. Raquel, tudo que escreve aqui traduz um trabalho sistematizado didaticamente. Acrescentaria aqui a opção por uma teoria que possa sustentar toda a intencionalidade e a prática docente.
    Mas é certo que seguindo o proposto aqui por você, o professor tem condições de desenvolver um excelente trabalho, ressignificar sua prática e formar ótimos profissionais.

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